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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Kant e a práxis

Eliane F.C.Lima

O médico avisou: ou dá uma freada, diminui as atividades, ou vai ter um enfarto. O estresse já atingiu o máximo.
Entra em casa, o relógio em cima do móvel, marcando o atraso: onze horas e dezesseis minutos. Tem de sair correndo. Pensa no médico.
Último esforço, em um impulso, levanta a perna e dá um pontapé no coitado, que voa longe e se espatifa na parede.
Quando pensa em rir, é surpreendido. Uma enorme vertigem faz o ambiente girar.
Assustado vê: não é sua cabeça que gira, são as coisas em volta. Estante, sofá, paredes, o vaso de planta, tudo roda em espiral, feito olho de furacão. Sente muito desequilíbrio, respira fundo, tentando não cair.
Tudo roda cada vez mais rápido, mais rápido, até as cores todas se misturarem e ficar tudo branco. Ausência de tudo, é o nada.
Silêncio absoluto, só o som de sua respiração, ofegante.
A força do branco pleno faz seus olhos arderem, lacrimejarem.
Aos poucos, os olhos vão se acostumando, a cor parece suavizar e consegue imaginar os vultos das coisas. Pressente o sofá, a estante, os quadros na parede, a enorme planta na lateral, os cacos do relógio no chão.
Muito vagarosamente, braços estendidos, caminha para o quarto. Um enorme relógio de parede ainda marca: onze horas e dezesseis minutos. Aquele estaria atrasado? Nunca, tem relógios por toda a casa, todos minuciosamente acertados, garantia de nunca perder a hora.
Vai até a cozinha – seria por ali o caminho? –, parece que esbarra nas coisas, mas vê o relógio em cima da mesa de almoço: onze horas e dezesseis minutos.
Pela casa toda, até no banheiro, neuroticamente distribuídos, os relógios, estáticos na mesma hora. Atitude radical, sem querer, tinha anulado o tempo.



Um comentário:

A ilha dentro de mim disse...

Belo retrato dessa vertigem do tempo, que insiste em consumir-nos. O ritmo do texto é tão forte, que a certa altura é como se eu própria estivesse nessa sala a ver tudo a andar de roda, quase a ter um enfarte... Lindo!