Eliane F.C.Lima
Olhava para o espelho, conhecia aquela cara de muito tempo. Gostava de tudo. Mas não era orgulho da beleza. Era o mesmo amor que a gente tem por um ente querido.
Talvez fosse a única pessoa do mundo que fazia carinho nos próprios braços e pernas. Até entendia gatos e cachorros, que levavam horas a se lamber. Sabia que não era apenas banho, era gratidão. Era isso mesmo, ela tinha um enorme gratidão por aquele velho e cansado corpo que servia a ela, com fidelidade, há tantos anos.
Às vezes, observava os pés ou as mãos e ficava triste, com saudade deles. Lembrava que um dia ia morrer e lamentava por eles, que iam se deteriorar, desaparecer. Não temia a morte por si, mas por cada pedacinho de seu corpo, velho companheiro.
Quando abrissem a tampa do caixão, cinco anos de morta, só encontrariam os ossos para guardar numa caixinha. Sorriu à idéia: abraçou-se toda. Mesmo sem ser vistos, eles estavam ali, tão discretos, fragrados uma vez ou outra em uma radioscopia, temidos pelas crianças, alimentando a imaginação dos medrosos e dos escritores. Protagonistas apenas em contos ou filmes de terror, adulterada a sua enorme função prática.
Todas as partes do corpo, as mais externas, sempre eram admiradas. Mostravam-se em festas, exibiam-se em fotos, eram elogiadas pelos olhares atraídos. E aos ossos, o verdadeiro sustentáculo daquilo tudo, a atenção só era dada, quando, justamente, quebravam ou tinham um problema qualquer. Filhos enjeitados.
Mas a sábia natureza tinha sua filosofia: somente a eles era reservado o direito ao brilho derradeiro.
Olhava para o espelho, conhecia aquela cara de muito tempo. Gostava de tudo. Mas não era orgulho da beleza. Era o mesmo amor que a gente tem por um ente querido.
Talvez fosse a única pessoa do mundo que fazia carinho nos próprios braços e pernas. Até entendia gatos e cachorros, que levavam horas a se lamber. Sabia que não era apenas banho, era gratidão. Era isso mesmo, ela tinha um enorme gratidão por aquele velho e cansado corpo que servia a ela, com fidelidade, há tantos anos.
Às vezes, observava os pés ou as mãos e ficava triste, com saudade deles. Lembrava que um dia ia morrer e lamentava por eles, que iam se deteriorar, desaparecer. Não temia a morte por si, mas por cada pedacinho de seu corpo, velho companheiro.
Quando abrissem a tampa do caixão, cinco anos de morta, só encontrariam os ossos para guardar numa caixinha. Sorriu à idéia: abraçou-se toda. Mesmo sem ser vistos, eles estavam ali, tão discretos, fragrados uma vez ou outra em uma radioscopia, temidos pelas crianças, alimentando a imaginação dos medrosos e dos escritores. Protagonistas apenas em contos ou filmes de terror, adulterada a sua enorme função prática.
Todas as partes do corpo, as mais externas, sempre eram admiradas. Mostravam-se em festas, exibiam-se em fotos, eram elogiadas pelos olhares atraídos. E aos ossos, o verdadeiro sustentáculo daquilo tudo, a atenção só era dada, quando, justamente, quebravam ou tinham um problema qualquer. Filhos enjeitados.
Mas a sábia natureza tinha sua filosofia: somente a eles era reservado o direito ao brilho derradeiro.
2 comentários:
Só mesmo você para escrever um conto dando loas aos ossos! E como sempre muito bem apropriado, vivem escondidos e, se não fossem eles, seríamos seres rastejantes ou tal qual outras espécies invertebradas. Pobres ossos! Sem eles, pobres de nós!
Oi, Eliane. Vim retribuir sua visita em meu blog "Rio de Janeiro em Poesia".
Adorei saber que gostou do que leu por lá, e mais ainda, da oportunidade de também conhecer seus escritos.
Eu já estou seguindo seu blog! Meu retorno para uma leitura mais profunda é certo, viu? :)
Até breve! Bjus
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