Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)
Ao ver minha neta, penso que memória da infância não é coisa em que se confie. As casas enormes de então, revistas quando adulta, diminuem muito.
Fomos uma vez à casa de uma tal Deolinda. Portas enormes. Algumas divididas em quatro: abre-se na vertical ou na horizontal. Encanto dos olhos, imaginação à solta. Comadres, cotovelos apoiados, conversando.
Cozinha imensa, azulejos cumprindo o nome, azuis e brancos, todos desenhados. Ouvi a palavra “coloniais”. Uma mesa grande, de madeira grossa. Filtro grandão, de barro. Moraria ali um gigante?
A dona da casa, mostrando tudo, levou-nos ao segundo andar. Num cômodo de santos, um oratório, muitas estátuas infelizes, olhos de sofrimento. No chão, do meu tamanho, um Santo Antônio. Achei belo ou tive medo, não sei.
E num quarto trancado, a dona murmurou: “Esse não se abre, sabe.” Mamãe parece que sabia. Eu, que não, fiquei morrendo de curiosidade. O que haveria ali? Vi que a anfitrioa e mamãe caminhavam amortecendo os passos. Imaginei logo um ser ameaçador, trancado. Diminuí o andar para ver se ouvia algum ruído incomum. Mamãe olhou para mim com o olhar que os pais sabiam dar antigamente.
Embaixo, mesa da sala, toalha de linho e cheirosa, tivemos um lanche dos deuses. Já satisfeita, a gula não acabava, vendo cada coisa melhor do que a outra. Mamãe caprichou no olhar de novo, mas Deolinda e sua mãe, uma avó de filme, não deixaram mamãe brigar. Envaidecidas por verem que serviam delícias, me incentivavam. Parece que não recebiam visitas com frequência. O que era incompreensível. Tudo ali era bom. Elas muito agradáveis. Mas eu achava que os olhos das duas se pareciam com os dos santos lá de cima, embora as bocas sorrissem e falassem palavras amenas.
Terminado o lanche, fomos para a sala de estar, sofás antigos e paninhos de croché sobre as banquetas e móveis.
Sentadas, as adultas retomaram a conversa. Quando eu disse alguma coisa engraçada, dessas que só as crianças sabem dizer, todas riram alto. Nesse momento, um barulho ensurdecedor começou lá em cima. Pés batiam no chão com força e na porta, além de urros lancinantes. Não sei até hoje se era homem ou mulher. Silêncio absoluto, no primeiro momento, as duas senhoras ficaram vermelhas e sem ação. Eram a vergonha encarnada. Mamãe, bem prática, olhou pela janela e viu papai já esperando naquele carro antigo. Tinha sido uma tarde e tanto, disse consoladora. Esperava as duas em nossa casa. Beijamo-nos todas.
Papai, cabeça na janela: “Acabei de chegar, já ia chamar.” Muda, me joguei no carro, coração aos pulos. Bem que eu sabia. Ali havia uma lembrança para o resto da vida.
Ao ver minha neta, penso que memória da infância não é coisa em que se confie. As casas enormes de então, revistas quando adulta, diminuem muito.
Fomos uma vez à casa de uma tal Deolinda. Portas enormes. Algumas divididas em quatro: abre-se na vertical ou na horizontal. Encanto dos olhos, imaginação à solta. Comadres, cotovelos apoiados, conversando.
Cozinha imensa, azulejos cumprindo o nome, azuis e brancos, todos desenhados. Ouvi a palavra “coloniais”. Uma mesa grande, de madeira grossa. Filtro grandão, de barro. Moraria ali um gigante?
A dona da casa, mostrando tudo, levou-nos ao segundo andar. Num cômodo de santos, um oratório, muitas estátuas infelizes, olhos de sofrimento. No chão, do meu tamanho, um Santo Antônio. Achei belo ou tive medo, não sei.
E num quarto trancado, a dona murmurou: “Esse não se abre, sabe.” Mamãe parece que sabia. Eu, que não, fiquei morrendo de curiosidade. O que haveria ali? Vi que a anfitrioa e mamãe caminhavam amortecendo os passos. Imaginei logo um ser ameaçador, trancado. Diminuí o andar para ver se ouvia algum ruído incomum. Mamãe olhou para mim com o olhar que os pais sabiam dar antigamente.
Embaixo, mesa da sala, toalha de linho e cheirosa, tivemos um lanche dos deuses. Já satisfeita, a gula não acabava, vendo cada coisa melhor do que a outra. Mamãe caprichou no olhar de novo, mas Deolinda e sua mãe, uma avó de filme, não deixaram mamãe brigar. Envaidecidas por verem que serviam delícias, me incentivavam. Parece que não recebiam visitas com frequência. O que era incompreensível. Tudo ali era bom. Elas muito agradáveis. Mas eu achava que os olhos das duas se pareciam com os dos santos lá de cima, embora as bocas sorrissem e falassem palavras amenas.
Terminado o lanche, fomos para a sala de estar, sofás antigos e paninhos de croché sobre as banquetas e móveis.
Sentadas, as adultas retomaram a conversa. Quando eu disse alguma coisa engraçada, dessas que só as crianças sabem dizer, todas riram alto. Nesse momento, um barulho ensurdecedor começou lá em cima. Pés batiam no chão com força e na porta, além de urros lancinantes. Não sei até hoje se era homem ou mulher. Silêncio absoluto, no primeiro momento, as duas senhoras ficaram vermelhas e sem ação. Eram a vergonha encarnada. Mamãe, bem prática, olhou pela janela e viu papai já esperando naquele carro antigo. Tinha sido uma tarde e tanto, disse consoladora. Esperava as duas em nossa casa. Beijamo-nos todas.
Papai, cabeça na janela: “Acabei de chegar, já ia chamar.” Muda, me joguei no carro, coração aos pulos. Bem que eu sabia. Ali havia uma lembrança para o resto da vida.
Um comentário:
Eu adoro a sua escrita. Sou sua fã de carteirinha. Bjs.
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