Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)
Quando moço tinha sido herói. Quase profissão. O heroísmo foi diminuindo aos poucos. Aos quarenta e cinco, nem um heroismozinho para consolar. Mas também agradecia a Deus: não tinha mais coluna para aquilo. Heroísmo requer uma cervical perfeita e uma ótima lombar. As suas duas em cacarecos. Resultado: foi parando, ele e a coluna; foram enferrujando.
Agora vivia de lembranças, decadência para um herói. Quando um diz “naquela época” ou “no meu tempo” é que o fim já chegou.
Horrível é quando o herói abre a gaveta, recortes de jornal amarelados, para provar as aventuras. Ninguém se lembra mais. Todo mundo sai, finalmente, mas ele fica, vendo uma foto, conferindo outra, olhar parado de saudade.
Ele, agora, além de tudo, tinha dado para diminuir o heroísmo alheio, quando via alguma ação destemina em defesa de alguém, coisa rara de aparecer na televisão, é verdade. Nada que se comparasse a seus feitos, dizia ele, diante da louvação do jornalista. Isso era a pior parte do herói: velho, aposentado, esquecido e sem generosidade. Desdém, sentimento pequenino.
Um dia, uns sobrinhos entusiasmados – herói não casa, não tem tempo –, chegaram a casa, contando um filme novo sobre um badaladíssimo super-herói americano – não aceitava o “super”: ou se é herói ou não se é. Ao recontarem algumas proezas do tal, sentiu-se sufocar. Aquilo era plágio, apropriação indevida do alheio. Tinha sido ele o autor daquela façanha. E provar como? Daquela vez a mídia, que não se chamava assim naquela época, não estava lá. Só um grupo de curiosos e os salvos por sua bravura. Lembrava bem, tinha sido aplaudido por um grupo enorme. Nesses tempos idos, ninguém se dava ao trabalho de patentear nada, boa fé e ingenuidade. E herói legítimo faz tudo por espírito de colaboração. Esse é o valor maior da ação. Recusa até elogios e medalhas. Escondia algumas debaixo das roupas só para lembrar da mãe, a verdadeira colecionadora.
Quando terminou seu discurso indignado, os meninos se embolaram de rir. Adoravam as histórias do tio, para eles pura ficção. Um, mais atrevidinho, sinal dos tempos, ainda comentou:
- Dessa vez você exagerou, tio!
Revoltado com a usurpação, desanimado da vida, teve certeza que nada mais tinha a fazer neste mundo. Resolveu pular de um edifício.
Fotos e mais fotos no jornal. Nenhuma alusão ao passado de glória. Nem um repórter dos antigos foi conferir.
Um religioso, olho pra cima na banca de jornal, cabeça sacudindo, reprovativo:
- Quem se suicida é um covarde.
Quando moço tinha sido herói. Quase profissão. O heroísmo foi diminuindo aos poucos. Aos quarenta e cinco, nem um heroismozinho para consolar. Mas também agradecia a Deus: não tinha mais coluna para aquilo. Heroísmo requer uma cervical perfeita e uma ótima lombar. As suas duas em cacarecos. Resultado: foi parando, ele e a coluna; foram enferrujando.
Agora vivia de lembranças, decadência para um herói. Quando um diz “naquela época” ou “no meu tempo” é que o fim já chegou.
Horrível é quando o herói abre a gaveta, recortes de jornal amarelados, para provar as aventuras. Ninguém se lembra mais. Todo mundo sai, finalmente, mas ele fica, vendo uma foto, conferindo outra, olhar parado de saudade.
Ele, agora, além de tudo, tinha dado para diminuir o heroísmo alheio, quando via alguma ação destemina em defesa de alguém, coisa rara de aparecer na televisão, é verdade. Nada que se comparasse a seus feitos, dizia ele, diante da louvação do jornalista. Isso era a pior parte do herói: velho, aposentado, esquecido e sem generosidade. Desdém, sentimento pequenino.
Um dia, uns sobrinhos entusiasmados – herói não casa, não tem tempo –, chegaram a casa, contando um filme novo sobre um badaladíssimo super-herói americano – não aceitava o “super”: ou se é herói ou não se é. Ao recontarem algumas proezas do tal, sentiu-se sufocar. Aquilo era plágio, apropriação indevida do alheio. Tinha sido ele o autor daquela façanha. E provar como? Daquela vez a mídia, que não se chamava assim naquela época, não estava lá. Só um grupo de curiosos e os salvos por sua bravura. Lembrava bem, tinha sido aplaudido por um grupo enorme. Nesses tempos idos, ninguém se dava ao trabalho de patentear nada, boa fé e ingenuidade. E herói legítimo faz tudo por espírito de colaboração. Esse é o valor maior da ação. Recusa até elogios e medalhas. Escondia algumas debaixo das roupas só para lembrar da mãe, a verdadeira colecionadora.
Quando terminou seu discurso indignado, os meninos se embolaram de rir. Adoravam as histórias do tio, para eles pura ficção. Um, mais atrevidinho, sinal dos tempos, ainda comentou:
- Dessa vez você exagerou, tio!
Revoltado com a usurpação, desanimado da vida, teve certeza que nada mais tinha a fazer neste mundo. Resolveu pular de um edifício.
Fotos e mais fotos no jornal. Nenhuma alusão ao passado de glória. Nem um repórter dos antigos foi conferir.
Um religioso, olho pra cima na banca de jornal, cabeça sacudindo, reprovativo:
- Quem se suicida é um covarde.
Um comentário:
Legal, o conto. E gostei muito do desfecho.
Quando se faz um pré-julgamento, de certo modo, admite-se o suicídio da própria razão. Uma máxima é utilizada, - palavras alheias para reagir à notícia. Religiosamente?...
Bjs e inté!
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