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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Gata

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Para a amiga Aldina Maria Valente

Desde menina ouvia comentários, bons e maus, sobre os gatos. Por isso, foi de pé atrás que recolheu a gatinha imunda, pelos e lama, só olhos e miado. Na loja de animais, comprou remédio contra pulga.
Em casa, algodão nas orelhinhas, lavou-a pacientemente. Surpresa: era branca.
Seca com o secador de cabelos, enrolada em uns paninhos, colocou um pires de leite com farinha de aveia. A bichinha comeu até não poder mais, barriga redonda.
Dormiu muito, colchãozinho de pedaço de espuma, coberto com panos limpinhos.
Telas foram colocadas por fora das janelas. E o tempo foi passando. Se a dona chegava – “gato não tem dono” –, a bichana vinha, agora lindamente esguia, e se retorcia entre as suas pernas, para lá e para cá, carinhosíssima.
Mas o carinho dependia sempre da gata. Deixava-se ou não alisar. Muitas vezes, simplesmente, se levantava e ia para outro lugar, andar elegante, sem pressa. Novamente deitada, olhar de longe para a amiga. Bobagem insistir. Metia-se não se sabia onde. Lembrava as palavras de Maurício sobre ela mesma: “A gente nunca sabe como vai encontrar você. É de veneta.” Logo terminou com ele.
A amizade foi crescendo, mas sempre dentro de limites, sempre uma grande cerimônia entre ambas, nunca ultrapassada. Mariana achava bom, não gostava de gente que tenta estreitar amizade não pedida. Afastava-se também. Convidava pouca gente para sua casa. Não chegassem sem avisar, sem permissão.
Um dia, resolveu, finalmente, se mudar para um apartamento maior. Queria um escritório. Vinha pensando nisso há muito tempo. Mas olhava as paredes, cada buraquinho conhecido delas. E olhava as janelas, a tinta rachada, sua história. Até os prédios em volta, vistos de seu quarto, brincando de roda com o seu, eram dela, posse absoluta.
Andava à noite, para ir ao banheiro, de olhos fechados, não acordasse de todo. Sem erro, o chão, velho amigo, é que ia andando por ela, deslizando sob seus pés. A disposição dos cômodos, aqueles móveis naquela cozinha. Mas foi. Levando a gata.
Telas nas janelas, arrumação feita, na primeira porta aberta para levar o lixo, a gata sumiu. Procurou tudo, desesperada.
Então se lembrou das histórias: “Gato ama a casa, não o dono.”
Quase correndo, foi para o prédio antigo, rua próxima. Lá estava ela, sentadinha na calçada. Olhava para cima, pensativa e estratégica. Quando viu Mariana, veio enroscar-se nas pernas, feliz dela ter compreendido. Seus dois amores reunidos. Voltou a olhar para o alto, cheia de significações.

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