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domingo, 6 de junho de 2010

Velho anseio

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Não tinha conhecido sua mãe. Tinha sido criado pelo pai, um homem simples. Mas sua história era um exemplo daquelas vidas que cheiram à vitória. Pelo menos financeira. Tinha conseguido criar uma rede de comércio e sua família, agora, não tinha a menor idéia do que ele tinha passado. Porque ele tinha passado maus pedaços.
Para que o pai trabalhasse, tinha ficado na casa de uns e outro durante o dia. Na maioria das vezes, não acolhido de boa vontade. Diferença gritante entre as crianças da casa e ele.
À noite, o homem sempre ia buscar o menino. A amizade do pai era quase consoladora. Mas faltava a ele uma mão carinhosa e feminina, as desculpas que uma mãe sempre dá para os malfeitos de filho, mesmo que erradamente. Ele via isso em relação aos outros pequenos. Ele sempre era o culpado. O que doía não era a injustiça, às vezes ele errava mesmo. As lágrimas eram por não ter ninguém que lhe passasse a mão pela cabeça e acreditasse nas mentiras dele, como faziam com menino comum. E ainda as brigas do pai depois, único momento em que poderia ter afeto.
Cresceu meio durão, mas lá no fundo, bem no fundo, ficou o menino desejando colo.
Seus filhos regalavam-se com as coisas boas que podiam ter agora. A mulher era boa e tinha sido escolhida mais por suas qualidades morais do que por seus dons afetivos. A lacuna sempre aberta.
Um dia, já doente, chamou toda a família e alguns amigos. Entregou a um deles um documento que tinha feito em cartório, não confiante na palavra dos parentes. Depois de morto, nada de corpo cremado. Queria ser enterrado em um cemitério dos que havia agora – tinha comprado um lote –, muita terra e vegetação por cima, grama verdinha, natureza. Passaria o resto da eternidade acolhido no colo da Mãe-Terra.

3 comentários:

Márcia Vilarinho disse...

Absolutamente maravilhoso. Abraços. MMárcia Vilarinho

ju rigoni disse...

Amor de mãe é (ou deveria ser)... natural, insubstituível, único, - dispensando, inclusive, conceitos equivocados e muito explorados pela mídia, que tendem a ampliar a dor daqueles que não tiveram a oportunidade de conhecer a sua.

Quem não conheceu sua mãe, - ou a tem por perto mas ela não age como tal -, parece estar condenado a viver rente à tortura de uma carência que pode durar por toda a vida. No seu belo conto até perpetua-se.

Bjs, Eliane. E inté!

Guidinha Pinto disse...

«O resto da eternidade»!
Eu fico encantada com os seus contos. Já lhe disse.
"Gente Humilde que vontade de chorar", como canta Chico Buarque.
Beijo