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domingo, 23 de setembro de 2012

A escada em caracol

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais) 

Desde que se entendera por gente via aquela escada em caracol no segundo andar da casa, indo para um terceiro, supostamente. A meio caminho havia uma porta e ele não podia passar.
Tinha perguntado várias vezes se a escada terminava ali, mas os adultos diziam que não, “era bem comprida.” Quando perguntava onde ia dar, respondiam que “a lugar nenhum”. Ora, aquilo não fazia sentido. E sempre tinha guardado a impressão que a resposta era uma mentira. Que havia um mistério, portanto, naquilo. E a imaginação se alimentava do enigma.
Já maiorzinho, tivera a ideia de olhar por fora da casa. Mas só tinha visto o telhado, que era bem alto em verdade. Haveria algum outro cômodo ali?
Com a adolescência, vieram os estudos rigorosos, provas, concursos e ele nem teve tempo de reparar mais no princípio da escada e sua porta.
Até que se mudaram para outra residência e, finalmente, para outro estado. E a escada lá ficou, na casa grande e antiga e no fundo de sua memória mais preciosa.
Nunca soube explicar por quê, mas sempre que um problema qualquer o perturbava, uma desilusão, uma contrariedade, uma tristeza, sua mente fugia do presente e tentava subir por aquela escada, abrir sua porta. Haveria algum abrigo misterioso naquele terceiro andar. E foi assim pela vida à fora.
Um dia, sem querer, às vésperas da aposentadoria, viu no jornal um anúncio de uma casa, lá em sua cidade natal. Chamou-lhe a atenção o endereço, viu que era a velha casa da infância. Por procuração com parentes, comprou-a.
Então voltou à cidade. E, quando finalmente subiu, havia um cheiro de mofo naquele acesso ao andar superior, com suas voltas contínuas. Lá em cima, outra porta, dando para lugar nenhum: uma espécie de diminuto terraço, atrás da casa. Como a gradinha era muito baixa, representava perigo para uma criança. Seria aquele o motivo de tanto segredo?
Tinha um plano de reformar o imóvel e morar ali. Mas a porta da escada continuaria trancadíssima, estimulando o devaneio dos pequenos. E não permitindo que seu tesouro escapasse. A escada em caracol levava direto ao andar da fantasia.


Há postagens novas em meus blogues Poema Vivo (link) e Literatura em vida 2 (link).

domingo, 9 de setembro de 2012

Parábola * III

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ)

Nasceram no mesmo dia. O pai, professor latinista, resolveu chamá-las de Letícia – alegria – e a outra, o seu contrário: Tristícia.
No entanto, a gêmea mal agraciada pelo nome, mostrou que quem escolhia seu destino era ela: mamava muito, chorava para ser colocada no colo, sorriu primeiro, andou primeiro, leu e escreveu primeiro, estudou mais e melhor.
A outra, desde o berço era enfezadinha: ficava lá, quietinha, e não fosse a mãe tomar conta das mamadas, morria de fome, sem um gemido, só dormindo.
Sempre foi magrinha, embora a mãe a entupisse de comida, para ver se crescia, engordava, perdia a apatia. Ao contrário da irmã, que entrava em todas as brincadeiras, até disputava com os meninos nas corridas. E ganhava. Músculos fortes, sorriso franco e eterno.
Letícia, sempre à sombra, tímida, na adolescência, não era convidada pelos rapazes a dançar. Nem sobravam rapazes para ela namorar, pois Tristícia tinha todos à sua volta.
Letícia morreu muito nova. E, mesmo a pouca vida que viveu, foi vivida pela metade. Trísticia, longeva, sempre provou que a vida era pouca para ela.

*"parábola1
[Do lat. parabola < gr. parabolé.] S. f. 1. Narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior... " (Dicionário Aurélio - Século XXI - versão digital)

"(pa.rá.bo.la)
sf.
1 Narrativa alegórica que evoca, por comparação, valores de ordem superior, encerra lições de vida e pode conter preceitos morais ou religiosos." (Aulete - dicionário digital)

Aguardo a sua gentil presença ainda em meus blogues Literatura em vida 2 (link) e Poema Vivo (link).