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sábado, 21 de janeiro de 2012

Parabola III

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Foi parar no meio do bloco. Não soube como. O “Bloco do empurra”. Que fazia jus ao nome. A bandinha, porém, empolgante, tocava alegremente marchinhas de carnaval.
E ia, sambando, na verdade, porque, apesar dos encontrões de todos os lados, era tudo muito divertido.
Lá para o meio, cansada, pretendeu sair. De que jeito, naquele roldão de todo lado? Impossível. E mais empurrão. Agora sentia pressão até de cima, de vez em quando. Parecia que estava encolhendo. Não sambava mais, só ia.
E, pela primeira vez, se deu conta de que aquela bandinha alegre não tocava mais. O som musical que ouvia era plangente, pungente. No entanto ainda ia, sendo levada.
Lá na frente, soerguendo-se sobre os cotovelos, viu, finalmente a bandeira tremulante: “Bloco do empurra... que cai.”


Advertência: Ver verbete do Dicionário Aurélio – século XX, dicionário digital:

“parábola1
[Do lat. parabola < gr. parabolé.]
S. f.
1.Narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior...”

Muita literatura de boa qualidade em Literatura em vida 2 (aqui) e poemas meus (aqui) em Poema Vivo.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Presente

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ)

Vou para o trabalho de metrô. Em pé, na maioria das vezes, vou sonhando. Caso-me em breve, daqui a um mês. Mas não é na noiva que penso ou nas delícias da vida a dois. À minha cabeça, sempre vem um filho.
Primeiro bebê, abraço-o, beijo-o. Ternuras de mãe, penso com um sorriso, porque, quase sempre, quem sonha com filhos são as mulheres. Sou exceção.
Aceno para ele, desde o berçário, ali, enroladinho. Depois, vêm os primeiros dias, os choros à noite, cólicas, ninguém dorme. Nem eu. Passeio com ele, para lá e para cá, dando descanso à mãe. Deve dormir, porque não a vejo ao meu lado. Nem penso nela.
E vêm doenças, febre, ameaça de pneumonia, noites em claro, dando remédio, dorme, acorda, dorme, acorda. Cambaleio e quase caio – será aquela curva violenta que o metrô faz entre duas estações?
Depois a escola. Ensino as lições, na volta do trabalho, já cansado, querendo ver televisão, cochilar no sofá.
Sou chamado à escola e vou, envergonhado, “esse moleque apronta todas, deve ter puxado à mãe”, eu sempre fui um menino quieto e tímido. Bate nos colegas, faz desaforo para a professora. Tira notas baixas na escola, não quer saber de estudo, só joguinhos, televisão. Vive de castigo, nem liga mais, porque sempre dá um jeito de se divertir, nem que seja torturando o cachorro, quietinho, sentado no sofá. Só escuto o ganido do bicho. Corro. Ele com aquela cara de surpresa: “Ué, o que é que esse bicho tem?”
Adolescência é o futuro das crianças. O telefone não para – porque os bandidinhos sempre fazem sucesso com as mulheres? –, nem a conta, que só sobe. E a de energia elétrica e água. “Desligue esse telefone, esse chuveiro, esse computador, esse som, esse... “ são as minhas frases o tempo todo. Meus finais de noite são de desespero, só superados pelos finais de semana.
Não sei quantas noites passo me torturando, telefonando para a casa de todos os amigos – o endereço e telefone que ele deixa, quando sai, não conferem. Porque o celular dele ou está desligado ou é impossível se ouvir alguma coisa que “alguém” fala – será ele mesmo? – no meio daquele zoeira horrorosa que ele chama de música.
Depois vêm os casamentos, um, dois, três. E filhos, e mulheres reclamando, “esse seu filho é um cafajeste, o senhor não se vexa de não ter dado vergonha e educação a ele? Com certeza aprendeu com o senhor, que também tem cara de safado!”.
E ele sempre vem morar conosco – o que será que a mãe dele acha? Nunca a vejo assumindo ou sofrendo com as canalhices de nosso filho. E vem na maior cara de pau, dando despesa, ficando completamente à vontade, como se nunca tivesse crescido. Algumas vezes traz, quando saímos, mulheres para dentro de nossa casa: “Desculpe, estava sem dinheiro para motel.”
Quase perco, de novo, a estação onde tenho de descer. Dessa vez foi demais. Dizerem que tenho cara de safado?! Trazer mulher para dormir em minha cama de casal?!
Estressado, chego ao limite. E, inconscientemente, arranco a aliança de noivado e guardo no bolso para vender.