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domingo, 22 de maio de 2011

Ampulheta

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Agora é tarde. A essa hora Camila já casou e daqui a pouco embarca para a Europa.

Não adianta se arrepender de não ter aceito o pedido de casamento dela e ter pretendido continuar enrolando.
Não adianta ir ao aeroporto e gritar, aos prantos, que é mesmo louco por ela.
Não adianta, na primeira festa em que se encontrarem, olhar bem fundo aqueles olhos castanhos e jurar, através de seus próprios olhos, que nunca amou nem amará outra mulher.
Não adianta, agora, se prometer que nunca mais a trairá, às escondidas, com aquelas mulheres todas, que o deixavam tão envaidecido e, afinal, teve certeza, não valiam nada para ele.
Não adiantam o cargo de diretor da empresa, que começou a exercer, o apartamento novo para onde se mudou há dois meses, o carro que irá buscar amanhã na concessionária.
Não adianta parar de se embebedar de vinho e acender a luz. O relógio digital, sobre a estante, mostra, implacável, que é muito tarde.

domingo, 8 de maio de 2011

Presença

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Mora comigo uma velha. Primeiro vinha só me visitar, de vez em quando. Logo começou a vir cada vez mais amiúde. Depois acabou ficando.
Não sabia quem era, a princípio. Não conhecia aquele rosto marcado fundamente pelo tempo e pela vida, aquelas mãos levemente rugosas, nunca vira antes. Era com surpresa que a via, minha juventude meio chocada: aqueles olhos já enrugando, bem como o pescoço, a pele macilenta dos braços surgiam como uma presença não convidada.
Ignorei-a longo tempo, fingi não perceber-lhe a violação sutil, mas persistente.
Hoje ela já anda por dentro de casa como dona, completada a invasão.
Meio consolo, meio susto, vejo que esse andar fica cada dia menos atrevido, seus passos já se arrastando com um som de fantasma.