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domingo, 27 de maio de 2012

Volúvel

Eliane F.C,Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Observa da sacada o que o vento faz com um papel que roubou, indomável ladrão, de uma janela desavisada, no fim da rua: imprensa-o contra um muro em suas mãos invisíveis. Desde que caiu ali, o vento se diverte com ele, sem piedade. Só quando se cansar da vingança ou por sorte o desgraçado cair no bueiro próximo, estará findo seu suplício.
Oprimido pela visão, sabe exatamente o que o pequeno mártir está passando. É exatamente assim que a vida fez com ele. Há muitos anos que um vendaval o joga daqui para ali, igualmente tonto, igualmente indefeso, igualmente vítima de uma vingança. De qual, não sabe. Quem saberá? Tantos passam pelo mesmo.
Vivia tranquilo, inconsciente de sua felicidade. Que a gente só sabe da felicidade, quando não tem mais. Sem grandes exageros, ia seguindo seus dias de perfeição.
Até tudo virar. Teresa morreu de repente. O filho resolveu trabalhar em outra cidade. A filha, sempre tão séria e estudiosa, se apaixonou por um malandro. Criticada, relacionamento não aceito, foi embora com o tal.
E ele ficou ali, sozinho, tentando se agarrar nas lembranças boas do passado, as lufadas de vento forte já rodopiando com ele. E vieram as doenças: uma, duas, três. O médico disse que a causa era a depressão, o estresse dos problemas. A causa não importa. Ao papel, só lhe interessa que o vento pare ou que ele seja empurrado para dentro do bueiro escuro.

Sua visita é aguardada em Literatura em vida 2 (link) e Poema Vivo (link).

sábado, 12 de maio de 2012

Noite em fora

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ) 

Chegou devagar, atendendo ao chamado. A luz era pouca, de abajur.
Sentado à poltrona, um homem lia. Parecia absorto, interessado. Às vezes, um sorriso leve, apenas pretendido. Sabia exatamente que trechos ele estava lendo. Aqueles de pura ironia. Ele próprio se deliciara com eles, tão cuidadoso, quando escrevia.
Sentou-se também, outra poltrona em frente, na penumbra. E ficou ali, alimentado-se das expressões do outro, seus ligeiros esgares de prazer, adivinhava.
Passaram-se duas horas até que o outro se levantasse, preparasse a cama que ficava adiante, se despisse, apagasse a luz.
Permaneceu sentado no escuro, respirando as últimas emanações da leitura daquele homem. Parecia de poucas posses, morando num quarto. Mas, quando chegou, reparou nas duas estantes de livros, que disputavam espaço com a passagem. Livros bons, muitos clássicos. E seu livro tinha entrada garantida.
Avançou o corpo para um banco ao lado da poltrona e viu, forçando a vista, mais dois livros de sua autoria.  
Tinha sido chamado assim que os olhos do outro começaram seu bailado pelas páginas que tinha escrito. Antes não tinha esse prazer, não podia saber. Agora era chamado, atraído era o termo melhor. Aquela sensação de estar sendo convocado, invocado, evocado, na verdade. Vinha sem poder se negar. Involuntariamente. E vinha, existência perpetuada.
Aguardo sua visita em Poema Vivo (link) e Literatura em vida 2 (link).