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domingo, 28 de novembro de 2010

Terceiro olho

Enquanto não recebo meus novos contos registrados, trago de volta textos do princípio do blogue e ainda pouco lidos.

Eliane F.C.Lima
(Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

A família sempre a achou meio desequilibrada. Tinha mania com a morte. Um dia, acordava e dava uma faxina nos armários, jogava um monte de coisas fora, "para não dar trabalho, quando morresse." Algumas vezes, teve de comprar de novo.
Com muito jeito, um amigo querido e diplomático conseguiu que ela procurasse um psicólogo.
Foi, a princípio, um pouco desconfiada. Depois adorou. Gostava do papo bom, sem compromisso. Conversava, desabafava, pagava e ia embora.
Convenceu-se, claro, de que a gente tem de se preparar para a vida. Comprou sofás novos, um armário grande para o quarto, trocou as cortinas, o fogão e a geladeira.
Morreu atropelada um mês depois, num lindo dia de sol, céu azul, a vida explodindo em todas as suas formas.
(Registrado no Escritório de Direitos Autorais, RJ, como todos os textos aqui postados).

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domingo, 21 de novembro de 2010

A cor do tempo

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Arrumando a prateleira de cima do enorme armário para fazer lugar para o enxoval da filha noiva, topou com uma caixa de madeira dos tempos de meninota, lá pelos vinte anos. Lá dentro, junto com dúzias de papéis, retratos, clipes e não sei mais o quê, um envelope amarelado.
Antes de abrir, começou a lembrar. Havia tido um relacionamento firme, na adolescência, coisa de muitos anos, quase noiva. Adorava o moço, tinha uma paixão enorme e desejava se casar e passar sua vida com ele. Não o ter a seu lado não passava por sua cabeça loucamente enamorada.
Um dia, o namorado, que sempre parecera fiel e sério, começou a mudar. Pediu para desmancharem o compromisso. Ela não entendeu logo, não acreditou, mas, finalmente, começou a chorar muito, queria saber o motivo. Ele andou falando em liberdade.
Ficou doente, emagreceu muito. Quando ele soube, apareceu correndo, muitos abraços e beijos, pedidos de perdão. Não adiantava, era a ela que ele amava.
O namoro correu nos trilhos mais seis meses. De novo, ele queria escapulir. Dizia que ia casar com ela, certamente, mas precisava, antes, conhecer pessoas novas, para estar firme, quando dissesse “sim”. Nova doença, novas voltas.
Até que recebeu a carta. O rompimento era definitivo. Não adiantava. Ele pretendia cumprir o que tinha determinado. Para se assegurar disso, estava se mudando para a casa do padrinho, um bairro distante e desconhecido dela. Que ela não o procurasse. Era o fim.
Magoada, para a garota o mundo tinha desabado. Não conseguia estudar direito, comer, ver televisão, nem ler, ela que adorava livros. Viveu como morta-viva. Muitos meses, atraída por coisa nenhuma. Lia a carta muitas vezes e chorava outras tantas. Guardou-a, certa de que o amor, como a carta seria testemunha, era para sempre.
Entretanto, como o tempo impera e a pouca idade ajuda, as coisas foram se ajeitando. Os anos se passaram. Namorou diversas vezes, casou, divorciou e agora estava ali, já cinquentona, arrumando o armário.
Abriu o envelope e a carta. Leu com rapidez. E caiu na gargalhada, por pensar que aquilo lhe causava tanta emoção, agora, quanto o manual para se ligar o aparelho de DVD, que tinha comprado há duas emanas. Como é que podia! Era a mesma grafia, eram as mesmas palavras. No entanto parecia que haveria um espírito, que se apossa de um texto em uma determinada época, e que tinha se evadido.
Olhos postos no papel já cansado, mudando de cor, entendeu que o fugitivo era o sentimento antigo, escritor cativante e talentoso, que escrevia, ele, sim, com suas emoções, as palavras de outro. O que havia desaparecido, e para sempre, era a amarelecida e irrecuperável menina do passado.

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domingo, 14 de novembro de 2010

Transcendência

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

-Me passe aí a batata frita, Honey.
A moça morreu de raiva daquele inglês idiota e fora de hora. Cara bobo! Detestava homem ridículo!
Cada vez que se dirigia a ela, lá vinha outro “Baby”. Ela fingia que não tinha ouvido no meio da balbúrdia dos amigos, todos cheios de animação e chope. No terceiro “Dear”, levantou-se e foi ao banheiro.
Lavando as mãos, ia ponderando: não entendia como o pessoal aguentava aquele cara. Seria amigo de quem? E todos falavam com ele, com consideração, bem que via. Aquilo era um mistério. O tal era um bobalhão, vocabulário de conquistador barato e antigo.
Quando voltou, sentou-se em outro lugar bem longe dele. Solução perfeita.
Num momento, porém, em que voltou a olhar para aquela ponta da mesa, reparou que o rapaz estava meio ausente, olhos no ar. Em seguida, procurou um guardanapo de papel, meio aflito, tirou uma caneta do bolso e pôs-se a escrever. Leu para si, consertou alguma coisa e mostrou, finalmente, para a garota do lado. Ela leu, sorriu em êxtase, jogou para ele uns olhos enormes e acenou para todos os lados, pedindo silêncio. E conseguiu, sem o menor esforço, como se todos esperassem por aquilo.
E Vivinha – era o apelido da primeira e entediada moça – ouviu o poema mais milagroso e ousado e perfeito de sua vida, enquanto se levantava, sonâmbula, e ia caminhando, desejando uma cadeira vaga em frente ao poeta.



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sábado, 6 de novembro de 2010

O filho do lobisomem

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Havia um grande boato sobre um lobisomem, rondando, à noite. Um disse me disse, um viu aqui, o outro, acolá, ferrolhos na porta, mal escurecia, mesas ajudando a trancar.

Uma noite, um deu um tiro no breu, duas botucas vermelhas, olhando, dizia. O bicho sumiu para sempre.
Nessa mesma noite, sem mais nem menos, o pai de Honório, depois que todos dormiram, pegou suas roupas e se foi, sem acordar a mulher. Já andava falando em cidade grande há algum tempo.
O povo juntou tudo e garantiu que ele era o lobisomem morto, por mais que a mulher mostrasse as roupas sumidas.
Honório herdou o destino. Meio sorumbático desde menino pela saudade do pai, as pessoas fugiam dele. “Andar de noite, nem pensar”, implorava a mãe. Um vivente corre menos perigo em uma megalópole do que em estúpido lugarejo do interior.
Não namorava, não dançava em festas. Se chegasse à quermesse da igreja com a mãe, o pessoal ia arredando, mudando de barraca. O pobre, sem jeito, desistia e ia embora.
Até que chegou ao local uma mulher, cabelos até os ombros, alguns fios brancos. Pensãozinha no banco, muito sisuda e viúva, também do interior, não dava trela a vizinho, ciosa de sua reputação e da língua alheia. Vivia trancada em casa.
Mas falaram... e não foi de sua honradez. As conversas eram agora sobre uma bruxa que havia na cidade: ela.
O destino, porém, que não quer saber de mitos folclóricos, levou Honório para capinar o terreno de Alzira – a feiticeira –, sem emprego fixo, o coitado, por pura rejeição de todos. E trocou telhas e pintou a casa e acabaram se amando.
No casamento, a mãe dele, madrinha, uns poucos primos e primas de outra cidade. E o padre, muito aliviado e abençoando o casal.
A cidade, contudo, ainda tinha munição: o assunto então era a dúvida sobre que tipo de tinhoso iria nascer dos dois.



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