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domingo, 29 de agosto de 2010

Aniversário do Conto-Gotas

Hoje este espaço está em festa, completando seu primeiro aniversário. Convido você a ler meu primeiro conto postado (aqui) e a comer um pedaço de bolo com o blogue (agradeço ao site "Recados online.com" a imagem).
Nessa "data querida", constato, ainda, que meu empenho ficcional, poético (Poema Vivo) e de meus comentários sobre textos literários (Literatura em vida 2) atingiu seu objetivo, junto a meu público leitor, como se constata nas palavras tão pródigas de Graça Lacerda, em seu blogue ANJO DE PRATA (visite-o por aqui). Agradeço o carinho, oferecendo a ela a amizade e este meu conto comemorativo.

Parábola

Eliane F.C.Lima

De vassoura na mão, começou a limpar aquele galpão enorme, cujo fim nem se via, muito novo ainda, não se lembrava desde quando. E ia varrendo, em todos os lugares, às vezes quase nada, às vezes muito lixo acumulado, que ia empurrando para a frente, crescendo sempre o que sua vassoura tinha de conduzir.
Seu impulso era seguir naquela tarefa. Em algumas ocasiões, queria desistir, quase parava, quase desanimava. Em outras, tão envolvido estava em seu trabalho, que não via o tempo passar. Em poucas, pouquíssimas, na verdade, sentia entusiasmo e alegria por ir adiante.
Mas a empreitada foi se tornando cada vez mais penosa. Agora já tinha enorme dificuldade para tocar em frente sua vassoura e o lixo que levava.
Até que um dia, viu, finalmente, o portão. Não era largo, bem ao contrário. Não condizia bem com a grandeza e altura daquele pavilhão. Quando foi se aproximando, ele se entreabriu sozinho.
O homem se preparou para empurrar o tanto de lixo que trouxera naquele caminhar difícil e poder passar, por fim, para fora.
No entanto parou e voltou-se para trás, imaginando que, pelo tempo que tinha levado, o princípio, lá tão longe, deveria estar sujo de novo. E apertando os olhos já bem cansados e míopes, pensou ouvir, talvez, um ruído de outra vassoura, e ver uma pessoa miudinha – acaso uma criancinha? – varrendo azafamada.

domingo, 22 de agosto de 2010

O descobridor

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Sentou-se no banco vazio do ônibus e viu o pacote embrulhado e amarrado. Olhou em volta e não viu o dono.
Ficou na dúvida, ao saltar, perigos rondando nesse mundo moderno.
Mas levou o pacote para o escritório. Cheio de medo, respirou fundo e abriu: dentro, um caderno de capa dura, verde, devia ser caro. E todo em branco.
Aquela era uma grande novidade em seu dia de náufrago da vida. Acordava pela manhã e lamentava ter acordado, lamento mesmo de estar vivo. Dormir era o único lenitivo daquele vazio em que se debatia agora. Comer, andar, trabalhar, decidir-se a prosseguir, enfim, era como um esforço digno de Ulisses.
Mas fez o que era obrigado a fazer o resto do dia. Porém separou alguns momentos do final para sentar-se, colocar a data do dia e tomar nota de seu achado, meio um aventureiro que lança a bandeira de seu país em terra nova. Mas, quando percebeu, tinha escrito mais, tinha narrado todo o dia, tinha falado de si, de sua angústia, de seu nada.
E, passada a hora de sair, trancou a porta apressado, como alguém que comete um pequeno deslize, quase um pecado. Mas com uma sensação de não sei quê, talvez alívio?
No dia seguinte, ao acordar, lembrou da aventura anterior. Olhando no espelho do banheiro, escova e pasta, ousou sorrir? E foi ao encontro de suas difíceis tarefas... e de seu caderno.
Abriu o armário e olhou para ele com um pré-entusiasmo. Fez tudo que devia, mas, vez ou outra, lançava um olhar de namorado para a porta da estante. E contou no relógio os minutos que faltavam para o encontro.
Afinal, abriu-o, acariciou a página em branco, lançou a data e escreveu.
E não narrava mais sobre si, havia seres que nunca tinha conhecido, histórias que nunca tinha vivido. E foram páginas e páginas devoradas, numa fome de louco. E foi embora numa viagem mística, numa viagem mágica, numa viagem magnética.
Saiu tarde do trabalho, caminhando com as mãos nos bolsos, assobiando uma canção inventada.

Aguardo-o, visitante, em meus blogues Literatura em vida 2 (link) e Poema Vivo (link).

domingo, 15 de agosto de 2010

Momento ímpar

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Conto escrito após a leitura do poema “Encantamento”, de Ju Rigoni, postado no blogue Fundo de mim (leia-o aqui).

A vela estufa o peito, senhora de si. E puxa o barco, alheia a tudo. Em volta, um silêncio de alto mar, de solidão completa. Uma luz extremamente branca acima, ilumina o rosto sentado, olhos voltados para baixo.
Parece mais meditação do que navegar, mais encontro consigo do que paisagem. Passa o vento ou passam os pensamentos? Navega o barco ou a alma? Quem estufa o peito, quem puxa o barco?
Balançando, oscila um sentimento vago e forte, ao mesmo tempo, e que ameaça derramar-se do interior e alagar o barco e fazer soçobrar e afogar o peito.
Ali está um rosto e mais tantos, que vão se duplicando nesse barco. Os olhos dois são agora mil e mais. A luz que ilumina, outrora branca, vai ficando azul e intensamente outra.
No barco, não cabem mais os sentimentos que se petrificam em palavras e afundam no mar branco e rolam, incontroláveis, para fora da mesa.
O barco, embora grávido de poesia, veleja, veloz e sobre-humanamente, inconsciente a dentro.

Estou aguardando você em Literatura em vida 2 (aqui) e Poema Vivo (aqui).













domingo, 8 de agosto de 2010

Social

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Chegada nos sessenta, começou a ter problemas de saúde. Era uma calcificação no ombro, era uma dor na coluna lombar, era fisioterapia na cervical. Fora, é claro, os exames laboratoriais – acorda cedo, faz uma dietinha – e a visita ao dentista: quebra um dente aqui, cárie em outro ali.
Aprendeu termos que nunca tinha ouvido falar, sabia na ponta da língua a causa e a consequência de muitas enfermidades, merecedora já de um diploma de medicina.
Isso sem contar as visitas aos médicos. No livrinho do plano de saúde, várias páginas começaram a ficar usadas, as especialidades sendo assinaladas a lápis. Parecia o diário que tinha na adolescência. Manuseado o tal livro, dava para contar a história da sua vida de então.
Mas o que iria preocupar outra pessoa, para ela não era problema, pelo contrário. As saídas eram uma curtição. Sentava na sala de espera e conversava a mais não poder. Quando era chamada lá para dentro, novas amizades, papo novo.
Tinha dentro da bolsa sempre um papelzinho e caneta providenciais. Anotava o nome de um médico “excelente”, o de um rapaz que fazia palmilhas contra “esporão calcâneo”, competentíssimo, e daí por diante.
Dia sem médico para visitar ou terapia a cumprir era uma solidão!

Espero você em meus outros blogues Literatura em vida 2 (as setas são o "Abre-te, Sésamo": ->) e Poema Vivo (->).

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Caiu na rede... fica imbecil

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Será que a solidão me afetou realmente os miolos? Ainda bem que na Internet ninguém me vê. Nem meus amigos. No chat.
No princípio, sentia-me ridículo e não conseguia falar com ninguém. Não só por não conseguir descobrir como é que se entrava na conversa, tecnicamente – aquilo era conversa? –, como por não saber a quem me dirigir. Cheio de franqueza, dizia minha idade: 58 anos. Ninguém me respondia. Até “Ñ enxe tio eu to oculpada.”, eu li. Assim mesmo, com x. Quando, finalmente, entendi o que ela queria dizer com aquele “oculpada”, quem se sentiu “culpado”, fui eu.
Quando alguém falava comigo, eu demorava tanto escrevendo uma resposta, que vinha outro e me arrebatava a garota. Hoje, ñ escrevo +, teclo, quer dizer, “tcl”.
Nas primeiras vezes, fiquei horrorizado. Lia um monte de besteiras e não conseguia me conformar com aquilo. Saía da “sala” – na rede, é claro – e ia para a sala, ver televisão ou dormir.
Ficava mal-humorado durante muitos dias. Pela montanha de tolices que tinha lido, por ter entrado naquele bate-papo ridículo, por não entender nada do que falavam, não descobrir quem falava com quem, por não fazer parte daquele mundo, enfim, ou por concluir, talvez, que eu não fizesse mais parte deste mundo.
Até que resolvi entrar, dizendo: “Aí, galera, sou Bad Boy 22. Foi o “Abre-te, Sésamo.” Ficou quase impossível atender a todo mundo que me respondeu. Concentrei-me em um nome só, qualquer um, sem procurar escolher se as respostas tinham conteúdo ou não. Afinal, nenhuma tinha mesmo.
Era isso. Descobri a chave. E comecei a falar um monte de besteiras mentirosas. Que era baiano. Mas tinha um ap no RJ, de meu tio carioca. E toca a abreviar tudo, para dar tempo e não perder a interlocutora. Aprendi a fazer leitura dinâmica: pega-se um quê qualquer da fala da outra e responde-se àquilo. Se não fizer sentido, não tem importância. O sentido não faz diferença, o que importa é teclar. Escreve-se uma série de “kkkkkkk” depois e faz de conta que era só uma piada. Hoje sou o garanhão do chat. Quando entro, ganho todas as atenções.
O bom é que eu gargalho sozinho, sentado em minha cadeira, das idiotices que digo ali. Rio dos outros, muito... e de mim. Que garantia eu tenho de que Fofona20 não tem setenta anos?

Visite meu blogue Literatura em vida 2, clicando aqui e Poema Vivo por aqui.