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quinta-feira, 25 de março de 2010

Extrema ingenuidade

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Comunidade muito pobre, nenhum aluno tinha dinheiro para comprar livro para leitura. Estratégia da professora: dividia a turma em grupos e emprestava um livro seu para cada grupo. Depois, propunha uma atividade.
Segunda-feira, caminhando em direção à escola, lá vem os três afobados. Queriam saber do resultado do trabalho entregue. Paciente, a professora diz que tinha sido muito ruim, um texto sem pé nem cabeça. Eles não tinham lido o livro. Protesto dos meninos: "Lemos, sim, lemos, sim."
Boca aberta, a professora ouve a argumentação dos garotos, muito convictos:
- Eu li da primeira página até a página cinquenta; o Rodrigo da página cinquenta até a oitenta; o Alexandre dali até o final!

segunda-feira, 15 de março de 2010

Pulsão

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Não sabia dizer, exatamente, quando a impressão começou, mas era capaz de ter lembranças muito antigas, de muito pequeno: procurava por alguma coisa.
Pela adolescência, procurou aprender instrumentos musicais: foi violão, foi piano, foi bateria. Nenhum preenchia aquela necessidade de não sabia o quê. Viu que não estava na música seu objetivo inconsciente.
Já rapazinho, pensou que podia ser um amor. Namorou muito, foi bom, acabou casando com uma, já adulto. Foi feliz. Mas viu que não era um amor que tentava encontrar.
E foi assim pela vida afora: pensou que era uma carreira. Encontrou uma, a que se dedicou inteiramente, com vocação. Mas o sentimento de busca não se satisfez.
Desejou filhos. Os filhos vieram. Mas a ânsia estava lá.
A casa própria, os netos, a aposentadoria, a viagem à Europa. Não achava o que o atraía. Nem sabia o que era.
Carregava dentro de si uma insatisfação que não foi preenchida por nenhuma das conquistas da vida comum.
Só depois de morto, finalmente, se viu diante daquilo por que tanto buscara.

(Leia a análise sobre este conto em Literatura em vida2, se quiser, clicando aqui.)

domingo, 7 de março de 2010

O espírito do parque

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)

Ela vem não sei de onde. De repente, ela está lá, fazendo caminhada no Aterro do Flamengo. Será? Mas não caminha, dança uma melodia que só ela escuta, sem fiozinho de aparelho de som no ouvido. E é uma dança sem ritmo, meio dança meio andar. O corpo faz um requebrado meio torto, saindo um pouco da direção reta.
E traz, enrolado debaixo do braço, um saco verde de plástico, grande. O mesmo, sempre. Para que será? Onde ficará guardado, quando não está ali? Será que dança também em outros lugares?
Não olha para ninguém. Vai indo, naquele passo incerto.
De repente, do mesmo modo que veio some. Não se sabe o quanto caminha, não se vê a sua volta, como fazem todos os que ali estão.
No entanto, é aquele caminhar rápido das outras pessoas, se ultrapassando, como quem vai para algum lugar, caras sérias, volta feita, sem a finalização de um objetivo, sem a realização de um projeto que parecia indicar a pressa e a concentração, que lembra loucos de hospício, sua desorientação. Olhados de longe são incompreensíveis.
A mulher estranha, não. Parece não querer chegar a lugar nenhum, mas caminhar por puro prazer no meio da natureza, uma festa lúdica, uma comemoração.
Falta-nos, a nós, um bom saco verde a que nos agarremos.